Do livro "NA ESQUINQ DO VENTO"
Era uma vez um ceguinho
que tocava todo o dia
o seu harmónio velhinho.
Tocava, feliz, tocava
ora forte ora baixinho
numa música afinada
ia espalhando carinho.
E toda a gente passava
depressa, devagarinho,
continuava ou parava
para escutar o ceguinho.
Havia caixa pequena
feita em papelão branquinho
postada a seus pés, vazia,
perdida ali no caminho.
Passava gente, passava,
e nada dava ao ceguinho
E ele tocava, tocava,
o seu harmónio velhinho.
Na caixa de papelão
não caía um tostãozinho;
e ele tocava, tocava,
cheio de amor e carinho...
Um dia porém, calou-se
este harmónio do ceguinho.
Fez-se um enorme silêncio
no meio do burburinho.
Caído jazia o cego
já no fim do seu caminho.
Parou então toda a gente
espantada olhando o velhinho
com o seu harmónio mudo
sobre o peito, tão sózinho...
E aquela caixa de esmolas
feita em papelão branquinho
encheu-se nessa manhã
de moedas, num estantinho,
num tilintar musical
em Requiem pelo ceguinho.
Oh, estranho mundo o nosso!
Insensível e mesquinho
que assim deixou, sem piedade,
morrer o pobre ceguinho.
Passa agora gente, passa
por esse mesmo caminho
onde o cego já não toca
o seu harmónio velhinho
Mas grita o remorso, à solta,
no meio do burburinho.
Morreu o cego, morreu.
O MUNDO É MAIS POBREZINHO.
. NEVOEIRO