POETA
Poeta, pobre louca
Porque jorra poesia a tua boca?
Porque te embebedas de azul
Se o mundo que te rodeia é de negrume?
Porque insistes em plantar flores
Em terra de mau estrume?
Porque soltas gargalhadas loucas
Quando bebes lágrimas?
Porque teimas em cantar o sol
Quando o encobre a bruma?
As tuas palavras esquecem, desaparecem,
Como na areia ondas de espuma.
Não vês o mundo que te rodeia...
Quem pára neste frenesim p'ra te escutar?
Não existe mais tempo para amar...
A tua poesia é pura fantasia.
Alguns encolhem os ombros, ou sorriem,
Outros ainda querem entendê-la
Mas acham-na complicada, individualista, fechada..
E só tu, em ânsias de absoluto
Da realidade esquecida,
Lhe dás sentido, guarida.
Insistes em transformar rios de suor
Em mares de fortuna,
A lama pardacenta em terra arável.
Cantas o sol, a lua, as estrelas,
Quando tantos passam já sem vê-las...
Falas da ramaria, da brisa ondulante,
De pássaros azuis, da liberdade.
Cantas o amor
Cantas a saudade...
Mas ninguém te ouve!
Olha os rostos que passam a teu lado!
Cada olhar triste esconde um fado,
Aquele sorriso amargo alberga desejos, pecado.
O mundo gira em ritmo louco,
Ninguém mais ouve o bater do coração.
O ombro que cruza com o teu é inimigo, não um irmão.
E tu, poeta, vais cantando em vão...
Mas não desistas, quem sabe!
Talvez um dia alguém pare para te escutar,
Recolha nos teus versos sementes p'ra plantar,
Sinta no teu canto algo de seu
Algo que tu encontraste e até agora ninguém entende.
Pelos teus olhos descubra
A beleza que encontras no teu mundo
E se isso acontecer, poeta,
Já valeu a pena o desdém de muitos,
O silêncio de alguns.
Cumpriste a tua missão de dar à vida
O verdadeiro sentido da ilusão.
Afastaste a morte, acendeste estrelas,
Emudeceste gritos
E rasgaste com a força dos teus versos
Calados e mudos universos.
Podes continuar, poeta,
A espreitar o infinito
Pela tua janela aberta!
SEMPRE
Sempre suspensa a costurar os dias
Na maciez de sentimentos vagos
Embalo num vaivém as fantasias
Arrebatando em vão os meus afagos
Melopeia roçagando o desgosto
Na desmesura de horas plasmadas
Em que bebo o vinho e colho o mosto
Nas lágrimas em queda derramadas
Sempre este fragor de tempestade
Incoerências d’olvido e de verdade
Em desejo febril de sobressalto
Sempre esta ânsia louca de aventura
Arrepio pressentindo na fissura
A ambição para subir mais alto
É o poema deslizando em minhas veias
Sangue vermelho bombeando seguro
Tantos sonhos e emoções alheias
Ritmo certo resguardando o futuro
Circulação gritante no silêncio ausente
Força telúrica impulsionando o jorro
De cada veia, agigantando a corrente
Dos instantes insanos aonde eu corro
Sangue vermelho escrevendo o poema
Sempre fiel tingindo a minha pena
Borbulhando na minha alma inquieta
Sangue vermelho de rosa com espinhos
Esgarçando fermente os desalinhos
Paixão ensanguentada de poeta
. NEVOEIRO